Enviado por luisnassif,Coluna Econômica - 11/04/2012
No final da tarde de ontem, o blogueiro Ricardo Noblat informou que
foi aprovada a CPI Mista Câmara-Senado sobre o caso Carlinhos
Cachoeira. Um dos primeiros convocados será o dono da Editora Abril,
Roberto Civita. O episódio, em si, deverá provocar mudanças substantivas no modo de
fazer jornalismo. Mais do que uma ameaça à liberdade de imprensa,
deverá fortalecê-la, na medida em que viabilizará a criação de órgãos de
regulação – como o Conar, o conselho de auto-regulação do mercado
publicitário.
A aventura de Roberto Civita é imensamente mais grave que a de
Rupert Murdoch – o magnata australiano que acabou com um jornal
centenário na Inglaterra, por abusos contra direitos individuais. O
jornal de Murdoch associou-se a setores da polícia para obter
informações sigilosas de inquéritos e promover escutas contra
celebridades. Coube a um jornal concorrente, The Guardian, denunciar a trama.
Como consequência, o jornal de Murdoch sofreu um enorme boicote de
anunciantes e uma série de processos que culminaram na prisão de alguns
dirigentes. Por outro lado, o governo inglês promoveu mudanças significativas
na regulação da mídia, por considerar que o órgão regulador (controlado
pelos próprios veículos) não cumpriu seu papel. Os tabloides ingleses já foram os mais execráveis periódicos de
qualquer economia desenvolvida. Sem limites, foram exorbitando até bater
nos limites legais. Daqui para a frente, certamente haverá um enorme
avanço na qualidade da imprensa britânica. No caso de Civita, a parceria não foi com setores da polícia, mas
com o próprio crime organizado, a organização criminosa de Carlinhos
Cachoeira. O bicheiro ajudou a eleger o senador Demóstenes Torres. A
revista Veja incumbiu-se de transformá-lo em político influente, através
de uma série de matérias enaltecendo-o. Com o poder conferido pela
revista, Demóstenes pressionava agências reguladoras, setores do
governo, para medidas que beneficiassem Cachoeira. Não apenas isso. Em um dos trechos da Operação Monte Carlos,
Cachoeira é flagrado falando da importância de dispor de jornalistas a
seu serviço e anunciando, para breve, uma enorme reportagem sobre
educação. Em outro trecho, aparece acertando com o Secretário de Educação de
Goiás um projeto de construção de escolas no padrão do modelo chinês.
Pouco tempos depois, Veja publica uma matéria de capa enaltecendo
justamente o modelo chinês e o modelo de construção de escolas. Pode ter sido uma mera coincidência, pode ser uma parceria em um
setor – a educação pública – em que tanto Cachoeira quanto Roberto
Civita vem investindo. A CPI esclarecerá. Mas o trabalho de Civita, através da Veja, não ficou nisso. Quando a
Polícia Federal deflagrou a Operação Satiagraha, Veja publicou um
conjunto de capas inverossímeis, falsas, em defesa do banqueiro Daniel
Dantas. Usou dossiês falsos para atacar Ministro do STJ que votou contra
os interesses de Dantas. Os métodos de Civita chegaram ao auge na reportagem sobre o falso
grampo – que teria gravado conversa entre Demóstenes e o presidente do
STF Gilmar Mendes – e no dossiê falso sobre contas de autoridades no
exterior.
Agências reguladoras - 1
O Ministério do Turismo apresentou números de sua pesquisa de
satisfação com estrangeiros. Os dois itens pior avaliados – depois de
infraestrutura – foram os das companhias aéreas e das telecomunicações,
ambos os setores de concessões públicas. Hoje em dia há um enorme
esforço para aumentar a eficiência gerencial do governo. No caso das
concessões, bastaria às respectivas agências reguladoras fazer cumprir o
contrato.
Agências reguladoras - 2
Essa inação das agências é tratado na literatura econômica como
“captura” do regulador pelos regulados. Vários fatores contribuem para
isso. De um lado, o melhor aparelhamento técnico dos regulados, com mais
recursos para desenvolverem estudos favoráveis às suas teses. De outro
lado, por oferecerem perspectivas de emprego melhor remunerados para os
funcionários das agências, depois que deixarem o emprego.
Agências reguladoras - 3
O papel das agências deveria ser o de colocar em prática – de forma
impessoal – os objetivos traçados pelo agente planejador – no caso, o
governo através do Ministério da área. A partir daí devem ter autonomia
para evitar interferências políticas que possam desviá-las da sua
função. Mas quando a autonomia é ampla – como no caso brasileiro – as
agências acabam sendo capturadas pelos regulados.
Agências reguladoras – 4
Por exemplo, no caso brasileiro, há muito tempo a Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações) deveria ter proibido as operadores de
celulares de continuar a vender planos, enquanto não garantissem níveis
mínimos de eficiência, previstos em contrato. Mas continuam a pleno
vapor, mesmo não investindo na infraestrutura para acomodar a nova
demanda. A leniência da Anatel é escandalosa, sem que o Ministério
Público se pronuncie.
Agências reguladoras – 5
O mesmo acontece com a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). A
qualidade mitológica da Varig ou da TAM foi esquecida. Hoje há duas
companhias praticamente monopolistas – TAM e Gol – revezando-se no
campeonato de “quem trata pior seu cliente”. Voos são cancelados sem
explicações maiores, ocorrem atrasos inexplicáveis, os bancos são
apertados, o atendimento é pífio. E não se vê uma ação corretiva.
As agências reguladoras
A maneira encontrada pelos Estados Unidos foi a criação de uma
agência das agências reguladoras. Trata-se de uma estrutura, acima das
demais agências, incumbida de fiscalizar se elas estão cumprindo
efetivamente os termos do contrato de concessão acertado com as
concessionárias. É a melhor maneira de compatibilizar a necessária
autonomia das agências, em relação aos governos, da independência que
precisam ter, em relação ao mercado.