Dia de terror no 5º distrito Sao Joao da Barra-RJ
Por Carolina de Cassia
Ainda sob efeito do choque e quase sem forças, tento registrar os
crimes de violação de direitos humanos que aconteceram hoje
(13/03/2012) contra os pequenos agricultores do 5º distrito de São
João da Barra e que presenciei alguns.
Às 6 h da manhã o primeiro sítio teve
sua casa e plantação demolidas. Quando o agricultor chegou não havia o
que fazer. Desesperado, sem
notificação prévia... ele foi algemado e levado para a Delegacia.
Dando continuidade aos desmandos - que contam com grande força
policial e com agentes à paisana “armados até os dentes” – oficiais de
justiça se dirigiram para o sítio do Sr. Totonho, um sítio que Ele
cultiva desde menino e que até ontem ele alimentava fartamente com
frutas, milho e verduras a comunidade e, os amigos que lá chegavam.
Sr. Totonho, um sábio camponês, idoso, que tem na “palavra dada”o
compromisso selado, constrangido e coagido assistiu à destruição de
sua roça de milho, maxixe, abóbora e de suas fruteiras centenárias.
Imediatamente à imissão na posse, as máquinas entraram no sítio e o
mesmo, vigiado pela força da PM durante todo o dia ganha uma vala ao
redor. Destruíram em poucas horas o que uma família camponesa levou
décadas para construir embaixo de sol e chuva. Como diz Sr. Totonho:
eles querem deixar tudo virar “areia branca”.
Durante o dia de hoje e ao longo do processo de “desapropriação”, que
tem se caracterizado por expropriação e esbulho, presenciamos a
Constituição Estadual/RJ ser desrespeitada pelo próprio Estado. Os
artigos abaixo foram violados, social e ambientalmente.
Art. 265 - Os projetos governamentais da administração direta ou
indireta, que exijam a remoção involuntária de contingente da
população, deverão cumprir, dentre outras, as
seguintes exigências:
I - pagamento prévio e em dinheiro de indenização pela desapropriação,
bem como dos custos de mudança e reinstalação, inclusive, neste caso,
para os não-proprietários, nas áreas vizinhas às do projeto, de
residências, atividades produtivas e equipamentos sociais;
II - implantação, anterior à remoção, de programas socioeconômicos que
permitam às populações atingidas restabelecerem seu sistema produtivo
garantindo sua qualidade de vida;
III - implantação prévia de programas de defesa ambiental que reduzam
ao mínimo os impactos do empreendimento sobre a fauna, a flora e as
riquezas naturais e arqueológicas.
Art. 266 - O Estado promoverá, com a participação dos Municípios e das
comunidades, o zoneamento ambiental de seu território.
§ 1º - A implantação de áreas ou pólos industriais, bem como as
transformações de uso do solo, dependerão de estudo de impacto
ambiental e do correspondente licenciamento.
§ 2º - O registro dos projetos de loteamento dependerá do prévio
licenciamento na forma da legislação de proteção ambiental.
§ 3º - Os proprietários rurais ficam obrigados, na forma da lei, a
preservar e a recuperar com espécies nativas suas propriedades.
Os agricultores despejados não tiveram pagamento prévio, não têm noção
de onde irão “restabelecer seu sistema produtivo garantindo sua
qualidade de vida”, pelo contrário, estão perdendo o gosto pela vida
sendo constrangidos com a ação da polícia militar, homens armados que
o fazem sentir verdadeiros bandidos. Imagine vocês: um camponês que
compra na venda sem assinar nada e paga fielmente suas contas, que
enfrenta boi bravo, seca, enxurradas, e uma vida familiar fértil de
alimentos sendo tratado dessa forma?!
Além das condições de vida digna estão retirando desses agricultores
sua condição de existência e outros bens que são de ordem imaterial,
como por exemplo a derrubada de uma árvore que foi plantada por quatro
gerações passadas, e a infertilidade do solo (através da salinidade de
areia branca do mar que está sendo despejada em todo canto), que
também foi cuidado durante várias gerações e tornou-se uma terra onde
“corria leite e mel”.
Acompanhando a terceira “desapropriação” do dia
encontramos um agricultor de 69 anos de idade. em seu processo consta
"Réu Ignorado",apesar do mesmo declarar que tem os documentos da terra,
que procurou a justiça para dizer que é o dono mas que permanece como ignorado.
Em sua terra criava algumas cabeças de gado e peixe. Quando chegamos,
impedidos de entrar no sítio pela polícia militar descobrimos que a
Imissão na Posse não foi entregue pelas oficiais de justiça ao pequeno
agricultor. Além do tanque de peixe que já estava sendo enterrado,
vários cavaleiros tentavam laçar o gado, fato que o assustou fazendo
romper as cercas, só sendo alcançado três.
A oportunidade de falar com um dos cavaleiros, que portava um rádio de
comunicação igual ao do funcionário da CODIN, revelou que eles não têm
carteira assinada, que recebem um telefonema de uma pessoa e vai lá e
fazem o serviço mas não sabem para quem trabalha. O representante da
CODIN disse que não sabe para quem os cavaleiros trabalham e a oficial
de justiça afirmou o mesmo, apesar dos representantes da Comissão de
Direitos Humanos da ALERJ perguntar: os cavaleiros estão participando
da ação de desapropriação? Sim.
Porém, ninguém soube dizer qual firma
os contrata “clandestinamente”, como se diz por essas terras. Os agricultores
chegaram afirmar que havia crianças como cavaleiros e que espalharam o gado
aleatoriamente, sem nenhum preparo. Poderíamos nos perguntar. Ora, que
importância tem esse fato? O gado representa uma ferramenta de trabalho,
não é um animal doméstico e sim ele gera sobrevivência desses camponeses.
Durante o dia, três despejos. Os camponeses, dois deles idosos,
perguntaram: que Justiça é essa? Que lei é essa que só favorece os
grandes?
Chegaram logo à conclusão que o poder econômico do Sr. X,
em São João da Barra está implantando uma terra sem lei.
Até quando?
Ainda temos esperança que diante de tantos crimes de violação de
direitos humanos e ambientais e, desrespeito às constituições estadual
e federal a Justiça será feita e, os camponeses e camponesas
descobrirão a força que têm, da mesma forma que hoje os bois
descobriram a sua, quando romperam “as cercas que os perseguiam” em
uma operação desumana!